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Sinhô Pereira |
Entre o ano de 1894
até 1923, enfrentaram-se os Pereiras e os Carvalhos na terra natal de Lampião,
Serra Talhada. Os primeiros descendiam de Andrelino Pereira, o barão de Pajeú,
enquanto os demais eram prósperos comerciantes e fazendeiros. "Em geral,
as lutas terminam pela exaustão econômica de um dos contendores ou por mudança
no zoneamento. Na guerra entre os Pereiras e os Carvalhos, por exemplo, os
Pereiras acabaram se fixando no campo, enquanto os Carvalhos se tornaram mais
urbanos e mercantis, passando a viver na cidade", diz o historiador
Frederico Pernambucano de Mello, autor de Guerreiros do Sol, que trata do
banditismo nordestino.
Desde criança
Entrevistado pelo
pesquisador Leonardo Mota na Penitenciária de Fortaleza, um Pereira, preso
acusado de matar um dos desafetos, resumiu assim a situação: "Só possuo
uma vida e essa é livre. Sou homem de honra e acostumado a falar de cabeça
erguida. Essa primeira humilhação que estou sofrendo não me enfraquece e não há
governo que dê jeito na minha luta com os Carvalhos. Isso é uma questão de
sangue! Só quando Deus acabar com o último Pereira é que Carvalho deixa de ter
inimigo nesse mundo. O senhor quer saber de uma coisa? Lá no meu Pajeú, quando
um menino da família Pereira começa a crescer, vai logo dizendo: tomara já
ficar homem para dar cabo de um Carvalho. A mesma coisa dizem os meninos
deles". E nem parentes em comum eram capazes de interromper esse ciclo
vicioso. O que, aliás, se repetia nas contendas de muitas outras famílias.
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Lampião e Maria Bonita |
Era o dia 07 de julho de 1897. Novamente um ano seco. Naquele
dia, Maria Sulena de Purificação trazia ao mundo mais um vivente, o terceiro
que paria, iria se chamar Virgolino.
Virgolino Ferreira da Silva.
Não sabia ela, e seu esposo, José Ferreira que Virgolino
derivava de vírgula, que na gramática serve para dar uma pausa. E era para isto
que estava predestinado aquele menino: dar uma pausa na história do nordeste,
depois dele, nunca mais o nordeste seria visto da mesma maneira.
Virgolino, mais tarde Lampião, ou capitão
Virgolino, nascia naquele dia na fazenda Passagem das Pedras, município de Vila
Bella, hoje Serra Talhada, fadado a mudar a vida de muita gente.
O Terceiro de nove irmãos, Virgolino desde muito
novo destacava-se pela sua vivacidade, e pela vontade de ascender na vida, e,
como naquela época não havia escolas na região, ele, o mais interessado dos
irmãos para aprender a ler e escrever, estudou alguns meses com os professores
Domingo Soriano Lopes e Justino Neneu. O primeiro era parente da família pelo
lado paterno.
Em 1905, com oito anos de idade fez sua primeira
comunhão na vila de São Francisco, município de Vila Bella ( Serra Talhada ) e
em 1912 foi crismado em Floresta.
A família vivia da agricultura, do criatório de
bode e também da almocrevia.
Virgolino crescia normalmente como qualquer
outro rapaz da região, destacando-se por ser bom tocador de sanfona, escrever
poesia e fazer repente, desafiando os melhores repentistas da ribeira, além de
ser excelente em confeccionar artefatos de couro e madeira.
Segundo depoimentos de contemporâneos seus,
quando se tratava de trabalhar era um verdadeiro furacão em tudo que fazia.
E assim iam vivendo os Ferreiras.
Uma típica família sertaneja.
Vizinho ao sítio Passagem das Pedras ficava a
fazenda Pedreiras, de propriedade de Saturnino Alves de Barros. As casas
ficavam a cerca de setecentos metros de distância uma da outra, e os laços de
amizades entre as duas famílias eram tanto que o irmão mais velho de Lampião,
Antonio Ferreira era afilhado de Saturnino e sua esposa Dona Xanda.
Freqüentavam juntas as festas da redondeza, em
Vila Bella, Floresta do Navio, Nazaré do Pico, São Francisco, São João do Barro
Vermelho e demais fazendas.
Trabalhavam juntos nas suas lavouras.
Entre a amizade das duas famílias se destacava a
amizade de Virgolino e José Alves de Barros ( José Saturnino ) que gozavam
junto o sabor da juventude, no entanto, pouco a pouco, pequenos detalhes
indesejados começaram a fazer a diferença na camaradagem dos dois.
Ambos eram temperamentais e impulsivos, e donos
de si iam, aos pouco, arranhando a afeição, e fatos banais, contribuíam para
levar os amigos para lado opostos, até que numa ocasião desapareceram dois ou
três bodes do criatório da família Ferreira, e tudo levou a crer que a “estripulia”
teria sido de um morador da fazenda Pedreira, chamado João Caboclo.
O velho Saturnino foi informado do acontecido,
no entanto nenhuma providência convincente foi tomada, de tal forma que a
situação levou a todos a se olharem com desconfiança.
Era o primeiro sinal.
Sem que soubessem, nascia ali fatos que
entrariam para história, e que modificaria completamente a história de uma
região.
Em outro momento, Virgolino em suas andanças de
almocreve, comprou em Piranhas, Alagoas, dois chocalhos novos e pôs em seus
animais. Zé Saturnino, numa brincadeira de mau gosto provocou, dizendo que
foram roubados, e isto culminou em um grande bate-boca, e nesta oportunidade o
acusador acabou por ganhar o apelido de “Zé Chocalho”.
E o pior, o apelido pegou!
Daí em diante o clima só foi piorando. Começaram
a aparecer bodes com chifres quebrados, com orelhas cortadas, cavalos
castrados.
Um torvelinho tomava conta de tudo.
O velho José Ferreira e o velho Saturnino Alves
conversavam na tentativa de acalmar os ânimos, enquanto os mais jovens
demonstravam cada vez mais rancor.
Acabava-se o ano de 1916. Um certo dia, num
extremo de tarde, os irmãos Ferreira, Antonio, Levino e Virgolino estavam
juntando umas reses para levar para o curral quando passaram dentro da fazenda
Maniçoba, também pertencente ao velho Saturnino. Perceberam gritos e
gargalhadas. Ao olharem perceberam que era José Saturnino e uns amigos, entre
eles Zé Caboclo, Dionízio Vaqueiro e Paizinho derrubando a mata para
construírem uma casa e quando viram os Ferreira passando começaram a soltar
galhofas.
Não disseram nada.
Voltaram para casa e relataram tudo ao pai e não
foram mais juntar o gado.
Este incidente foi motivo de mais um encontro
com os dois chefes de família no intuito de ponderarem, a situação.
No outro dia, os três irmãos e mais dois amigos
voltaram para terminar o serviço. Ao retornarem para casa, conduzindo o
criatório, ao passarem próximo a duas gigantescas pedras, nas imediações da
fazenda Pedreiras, uma emboscada estava pronta, montada por Zé Saturnino e seus
homens.
Na emboscada foi ferido Antonio Ferreira e a
única reação que puderam ter os Ferreiras foi fugir.
Foi este o primeiro confronto com armas.
Começava aí uma guerra.
Os Ferreiras foram a Vila Bella e procuraram a
polícia.
Nada resolveram. Apenas disseram não quererem se
meter em questão de ninguém.
Foram então ao fórum.
Deporam no juiz, e este apenas orientou a
procurarem um advogado.
Procuram os rábulas existente na cidade, no
entanto, nenhum teve disposição de entrar em confronto com a família Saturnino
e Nogueira, que eram desdobramento dos poderosos Carvalhos.
Virgolino, decepcionado foi enfático e disse ao
pai que iria resolver a sua maneira. Foi então na casa comercial do senhor
Pedro Martins e comprou dois rifles e dois mil cartuchos e mandou avisar ao
então juiz de direito do 2º ofício de Vila Bella, Dr. Augusto Santa Cruz, que
tinha dois advogados de primeira qualidade para resolver suas causas.
A partir deste momento, a antiga amizade que
vinha se deteriorando, passou a ter cheiro de pólvora.
É comum se dizer que Lampião foi ser cangaceiro
para vingar a morte do pai. Na verdade ele assumiu a condição de cangaceiro
após o assassinado do seu pai, em 1920, dois dias depois que a polícia
alagoana, instigada por Zé Saturnino assassinou friamente o velho José
Ferreira, com a desculpa de estar a procura de bandidos.
Os irmãos Ferreira sabiam que estava por trás a
mão do seu inimigo, e assim, ao lado do túmulo dos pais, no cemitério de Santa
Cruz do Deserto, juraram vingança e mergulharam em definitivo no mundo do
cangaço. Entraram no bando de Sinhô Pereira, braço armado da família Pereira,
inimiga dos Carvalhos, então, como seu principal desafeto, Zé Saturnino era
Carvalho, nada mais oportuno. Foi no bando de Sinhô Pereira que Lampião começou
a fazer sua fama. Revelou-se por sua destreza e bravura, e assim, anos depois,
quando Sinhô Pereira resolveu deixar aquela vida, Virgolino herdou o que restou
do seu bando e começou seu reinado, que durou até 27 de julho de 1938.
Morria Lampião, na gruta do Angicos, Sergipe,
morto ele e mais dez companheiros, entre eles Maria Bonita pela volante
alagoana comandada pelo tenente Zé Bezerra.
Morreu com 41 anos de idade. Já velho para o
cangaço, pois em média um cangaceiro morria aos vinte anos.
Seus feitos entraram para história.
Se herói ou bandido, até hoje se discute.
O certo é que sua conduta e sua luta marcou um
tempo em um nordeste até então dominado pelas grandes oligarquias. O “capitão
Virgolino” para muitos passou a ser a voz dos mais pobres e para outros não
passou de assassino bruto e desumano.
É motivo de estudos e pesquisas no Brasil e em
outros países, e aqui passou a ser referencia, pois nos sertões nordestino a
história passou a ser contada antes e depois dele.